Ressaca

Acordei bagunçado. Nas ideias, nas sensações físicas. A garganta em nó. Ainda sinto o gosto na boca. Não do mesmo jeito que antes. Já deveria estar acostumado. Afinal, não é a primeira vez.

Era domingo. Dia mundial dos arrependimentos. E por que não seria? As noites de sábado tendem a ser as mais intensas. Ouço histórias de aventuras por aí. E 90% delas figuram o sétimo dia da semana. Acordei ainda em transe. A cama gigante se limitava a um pequeno espaço marcado, quente, mas não vazio. Havia uma presença desconhecida, mas familiar. Mais estranho do que via era o sentimento de pertence. Na hora, confirmei: não era a primeira vez.

Levantei arrastado. O corpo pesado, as pernas mal se moviam. No espelho, uma imagem lamentável. O chuveiro, que se recusa a esquentar, era como um protesto silencioso. A água fria seria literal. Com sacrifício, cumpri os afazeres matutinos. Retornei ao epicentro da ressaca. Observei, entre nuances e silhuetas, tentando encontrar um motivo para resgatar aqueles sentimentos da noite anterior, aquilo que era responsável pela minha atual catarse. Tudo bem, não responsável, mas cúmplice. O torpor era maior do que qualquer outra iniciativa. A cada movimento, martelava a mesma sentença: Essa não era a primeira vez.

O corpo tem momentos de fragilidade. Você pode não ser alérgico a camarão por toda a vida e, de repente, como em um castigo, desenvolve o problema. A partir de então, é exilado de um dos melhores prazeres da mesa. O mesmo acontece com a mente: em um ápice de estresse e nervosismo, você diz coisas horríveis para pessoas que não mereciam ouvir. Com o coração não seria diferente. Esse foi o caso. O corpo sentiu o baque do amor.

Já experimentou uma overdose de paixão? Já mergulhou tão fundo em uma pessoa a ponto de – mesmo que por apenas uma noite – ter se afogado nela? Dizem que amor de verdade demanda tempo, conhecimento, mas não é verdade. Não importa se você não sabe o segundo nome da mãe ou o hospital em que aquela certa pessoa nasceu. Isso tudo é protocolo. Pessoas intensas atravessam o deserto do desconhecimento amoroso em um toque, em um beijo. Aquela vontade de parar o relógio para não chegar à despedida, de fundir almas, de fugir e largar tudo. Acontece, você sabe. Essa não seria a primeira vez.

Porém, existe um problema. Como toda ressaca alcóolica, o dia seguinte vem para uma paixão passageira. É difícil colocar as coisas no eixo. Não dá para vomitar o amor consumado. Quem dera!

Recolhi tudo o que ficara jogado pelo caminho. Aquela presença não estava mais lá. Agora, andava comigo. A cada rua, a cada toque no telefone. O gosto amargo daquele adeus ficou. O nó na garganta permanece. O pensamento turvo também. As coisas nunca são tão claras quando o assunto é amor. Apesar da ressaca, a vontade de fazer com aquela não seja a única vez é maior. Claro, porque a única certeza que tenho é que viemos aqui para nos reencontrarmos.

Aquela não era nossa primeira vez.

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